CURRÍCULO
Nota de alcance:
Conjunto de experiências desenvolvidas com intenções educativas, realizadas em torno do conhecimento e em meio a relações sociais, que contribuem para a construção das identidades dos educandos, seja no ambiente escolar ou em quaisquer espaços organizados para educar pessoas. De uma forma mais ampla, pode ser entendido como os conteúdos a serem ensinados, as experiências de aprendizagem a serem vivenciadas e os objetivos que se pretende alcançar no decorrer do processo educativo, geralmente descritos nos planos pedagógico-curriculares elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais.
Nota bibliográfica:
Definição elaborada pela Rede de Especialistas do Inep com base nas seguintes referências:
COLL, César. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo escolar. 5 ed. 2. reimp. São Paulo: Editora Ática, 2000.
MACEDO, Elizabeth; LOPES, Alice Casimiro. Teorias de Currículo. São Paulo: Editora Cortez, 2011.
MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007.
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag3.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2015.
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; Silva, Tomaz Tadeu. Sociologia e teoria crítica do currículo: uma introdução. In: MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu. (Org.). Currículo, cultura e sociedade. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
Referência da nota histórica: SACRISTÁN, José Gimeno. O que significa currículo? In: SACRISTÁN, José Gimeno. (Org.). Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 17-19.
Nota histórica:
"O conceito de currículo tem sua história, e nela podemos encontrar vestígios de seu uso no passado, sua natureza e a origem dos significados que, hoje, o termo possui. Trata-se de uma realidade que poderia ter sido distinta e que, hoje, também pode ser outra. O termo currículo deriva da palavra latina curriculum (cuja raiz é a mesma de cursus e currere). Na Roma Antiga falava-se do cursus honorum, a soma das 'honras' que o cidadão ia acumulando à medida que desempenhava sucessivos cargos eletivos e judiciais, desde o posto de vereador ao cargo de cônsul. O termo era utilizado para significar a carreira, e, por extensão, determinava a ordenação e a representação de seu percurso. Esse conceito, em nosso idioma, bifurca-se e assume dois sentidos: por um lado, refere-se ao percurso ou decorrer da vida profissional e a seus êxitos (ou seja, é aquilo a que denominamos de curriculum vitae, expressão utilizada pela primeira vez por Cícero). Por outro lado, o currículo também tem o sentido de constituir a carreira do estudante e, de maneira mais concreta, os conteúdos deste percurso, sobretudo sua organização, aquilo que o aluno deverá aprender e superar e em que ordem deverá fazê-lo.
Em sua origem, o currículo significava o território demarcado e regrado do conhecimento correspondente aos conteúdos que professores e centros de educação deveriam cobrir; ou seja, o plano de estudos proposto e imposto pela escola aos professores (para que o ensinassem) e aos estudantes (para que o aprendessem). De tudo aquilo que sabemos e que, em tese, pode ser ensinado ou aprendido, o currículo a ensinar é uma seleção organizada dos conteúdos a aprender, os quais, por sua vez, regularão a prática didática que se desenvolve durante a escolaridade.
Na Idade Média, o currículo se compunha de uma classificação do conhecimento composta do trivium (três caminhos ou disciplinas: Gramática, Retórica e Dialética), que hoje chamaríamos de disciplinas instrumentais, e do cuadrivium (quatro vias: Astronomia, Geometria, Aritmética e Música), que apresentava um caráter nitidamente mais prático. Essas sete artes constituíram uma primeira organização do conhecimento, que perdurou durante séculos nas universidades europeias. A distinção entre os dois grupos de conhecimentos corresponde a duas orientações na formação dos indivíduos: a orientação que se refere aos modos de adquirir os conhecimentos, por um lado, e aquela que serve ao homem para se sustentar, com uma finalidade mais pragmática, por outro.
O conceito de currículo, desde seu uso inicial, representa a expressão e a proposta da organização dos segmentos e fragmentos dos conteúdos que o compõem; é uma espécie de ordenação ou partitura que articula os episódios isolados das ações, sem a qual esses ficariam desordenados, isolados entre si ou simplesmente justapostos, provocando uma aprendizagem fragmentada. O currículo desempenha uma função dupla - organizadora e ao mesmo tempo unificadora - do ensinar e do aprender, por um lado, e, por outro, cria um paradoxo, devido ao fato de que nele se reforçam as fronteiras (e muralhas) que delimitam seus componentes, como, por exemplo, a separação entre as matérias ou disciplinas que o compõem.
O conceito de curriculum se manteve vigente na Inglaterra e depois na cultura anglo-saxã em geral. Seu surgimento e uso no âmbito pedagógico, seu emprego, não foram um fato fortuito. Na tradição anglo-saxã, o seu significado parece ter sido determinado pela confluência de diversos movimentos sociais e ideológicos. Em primeiro lugar, deveu-se à influência que as revisões do ensino da Dialética tiveram sobre as diferentes áreas de estudo. Em segundo lugar, pela visão disciplinadora quanto à organização do ensino e da aprendizagem própria do calvinismo. Por fim, também resultou da expansão do termo ciceriano vitae curriculum às novas características de uma escolaridade organizada sequencialmente e levada a cabo pelos calvinistas ao longo do século XVI, similar àquela realizada pelos jesuítas nos países católicos. Ele aparece pela primeira vez na Universidade de Glasgow, tendo sido trazido por acadêmicos calvinistas procedentes de Genebra.
O conceito de currículo e a utilização que fazemos dele aparecem desde os primórdios relacionados à ideia de seleção de conteúdos e de ordem na classificação dos conhecimentos que representam, que será a seleção daquilo que será coberto pela ação de ensinar. Em termos modernos, poderíamos dizer que, com essa invenção unificadora, pode-se, em primeiro lugar, evitar a arbitrariedade na escolha de o que será ensinado em cada situação, enquanto, em segundo lugar, se orienta, modela e limita a autonomia dos professores. Essa polivalência se mantém nos nossos dias."